Em 1872, o francês Revert Henrique Klumb, fotógrafo imperial, publicou o primeiro Guia de Viagens do Brasil, no qual descreve com fotos e palavras uma viagem de Petrópolis a Juiz de Fora.
Em 2000, o Senado Brasileiro publicou Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho do famoso aventureiro inglês Sir Richard Francis Burton, onde é descrita em detalhes uma viagem realizada em 1867. As impressões de sua mulher, Lady Isabel Burton, sobre esta mesma viagem, aparecem no livro The Romance of Isabel publicado em 1897 e ainda não traduzido para o português.
Em 2001, Waldemar Corra Stiel, baseando-se parcialmente nos registros acima, fez também uma excelente descrição do trajeto.
O texto a seguir é uma alegoria criada a partir destes relatos. Na medida do possível, preservou-se o texto original de cada obra.
A Estrada União e Indústria
De Petrópolis a Juiz de Fora são 90 milhas (146,8km).
Todo o percurso pode ser dividido em três trechos: 40 milhas de descida, 21 milhas no plano e mais 30 milhas de subida.
O trajeto é feito em 12 horas, das 6 da manhã às 6 da tarde. Se descontarmos as 4 horas em que há paradas para almoço e troca das mulas, o tempo total em trânsito é de 9horas, o que resulta numa velocidade média de 16,3 km/h.
Os Passageiros
Na União e Indústria era proibido o trânsito de escravos.
No entanto, era comum que as mulheres viajassem acompanhadas de um negro escravo, que lhe protegia e carregava a bagagem.
As Diligências
O veículo de transporte pode ser um "char-à-banc" tal como o utilizado pelo casal Burton: uma espécie de carroção, sem cobertura, com 4 bancos, todos voltados para a frente. Cada banco comporta duas pessoas e o banco mais à frente leva o condutor e o ajudante. Atrás, há espaço para mais dois corajosos passageiros, que mal acomodados, ficam à mercê do sol e da poeira.
Outro veículo é a Sege, muito parecida com o "char-à-banc". A diferença é que, na Sege, os passageiros sentam-se em dois bancos colocados de frente um para o outro.
Há também as diligências e os carroções que comportam até 17 passageiros e que, com carga máxima, chegam a pesar 3 toneladas.
Em todos estes veículos o espaço disponível para cada passageiro é mínimo, havendo sérias restrições sobre o que pode ser levado. Há um espaço comum onde são levadas a bagagem dos passageiros e as malas postais.
A Sege e o "char-à-banc" são puxados por 4 mulas dispostas em 2 parelhas. As diligências e os carroções, dependendo do peso, podem ser puxadas por até 6 mulas.
As mulas são selecionadas dentre as mais ágeis e atuam na Estrada União e Indústria por apenas 2 anos, enquanto estão no auge da forma física.
Estação Inicial: Petrópolis
O dia ainda não clareou e os passageiros já se dirigem para o Hotel Inglês, onde a diligência Celeridade os aguarda.
Em meio ao frio e à neblina, destacam-se o condutor, que exibe um chapéu lustroso e brilhante e seu ajudante, um jovem e robusto alemão. Ambos, garbosamente uniformizados, recebem os passageiros e colocam a bagagem e as malas postais no local adequado.
O ajudante tem um trompete de som estridente, que usa para chamar os passageiros, espantar os animais encontrados na pista ou para alertar quem vem em sentido contrário.
Quinze minutos antes da partida, o condutor assume seu posto e o ajudante soa a trombeta chamando os passageiros. As mulas, impacientes, se agitam e batem no chão com as patas.
Às seis da manhã em ponto, soa novamente a trombeta e a viagem começa.
Os passageiros se assustam com o forte arranque da diligência que parte rapidamente em meio à neblina matinal de Petrópolis.
Em poucos minutos, fica para trás a Rua do Imperador. À direita ergue-se gracioso, porém não concluído, o Palácio Imperial. Entramos na Rua dos Protestantes. Uma curva e depois nos achamos no vale encantado de Westfália, um dos quarteirões de Petrópolis.
Ao nos afastarmos do centro da cidade, as mulas aceleram o passo e, aproveitando o trecho em descida, atingem impressionantes 20 km/h.
Um pouco mais à frente, ainda em Petrópolis, vemos a casa do embaixador da Rússia, Sr. De Glinka; em frente, num rochedo à nossa direita, uma chapa de mármore recorda os primeiros trabalhos da Estrada da União e Indústria.
Mais adiante, à nossa direita, é possível ver um trecho da velha Estrada Real, cercado por casas que, de tão maltratadas, parecem abandonadas.
Primeira Estação de Muda: Corrêas
Uma hora mais tarde chegamos à Estação de Corrêas, situada em um verdadeiro buraco em meio à mata, cercada de morros baixos.
O local era a sede da famosa Fazenda do Pe. Correia, tão celebrado por seus pêssegos. Antigamente, a casa recebia a realeza, mas agora aloja os animais da companhia.
A troca das mulas é feita em apenas cinco minutos, mal dando para que se use o toilete.
Ao sair de Correias, encontramos alguns pequenos recantos dignos de um pintor. São córregos de água por entre a mata, com pássaros exóticos e animais da terra.
Segunda Estação de Muda: Pedro do Rio
No meio do caminho, alguns cães bravos correm atrás da diligência, o que vai se repetir muitas vezes ao longo da viagem.
Aqui e ali temos que fazer uma rápida parada não prevista porque há mulas, gado bovino ou até mesmo porcos interrompendo a estrada.
Mas a 30 quilômetros de Petrópolis, chegamos a Pedro do Rio onde as mulas são trocadas rapidamente.
Após alguns minutos, seguimos caminho em direção a um sombrio desfiladeiro, que é logo transposto.
O vale do rio, alargando-se, apresenta uma vista do agora respeitável Piabanha, que já não é uma simples torrente de montanha.
Gigantescas encostas de granito, coroadas pelas florestas, apresentam suas paredes nuas e lisas, exceto quando perfuradas pelos buracos causados pelo tempo e cobertos de tillândsias e bromeliáceas capazes de sobreviver na pedra pura e que se ostentam viçosas e brilhantes no azulado ar da manhã.
O clima revela-se bem melhor que o de Petropólis; a brisa quente e úmida do mar, condensada pelos frios cumes da montanha, molha a Serra e se dissolve. Ali reina o glorioso verão, com o inverno a poucas milhas ao sul. Os cafeeiros começam a aparecer, mas poucos viçosos ainda; o solo é pobre e os arbustos foram plantados muito perto uns dos outros. Além disso, há falta de mão-de-obra e o solo é raramente beneficiado, apresentando um tapete de ervas daninhas.
Após alguns ziguezagues abre-se um gracioso vale no meio do qual se avista o grupo de casas brancas da terceria estação de muda.
Terceira Estação de Muda: Posse
Posse é a estação de muda mais importante, pois é o ponto final das riquezas vindas do leste de minas.
Há milhares de mulas sendo carregadas e descarregadas ou apenas descansando ali perto.
Durante a troca de mulas, agora um pouco mais demorada, muitos passageiros descem para tomar um café.
Em seguida, partimos novamente pela Estrada União e Indústria e, após dez minutos, à nossa esquerda, vemos a Fazenda da Saudade.
O Piabanha corre agora entre as alturas da sombria floresta virgem, com o verde escuro contrastando com o amarelo acinzentado das terras mais pobres.
Em certos lugares, os precipícios são tão densamente cobertos de árvores e plantas rasteiras, que o rio corre invisível em seu leito.
Às margens da estrada, os bambus aparecem formando cones e colunas vivas, que envolvem as árvores, concentradas em moitas espessas, em serpentinas e arcos, assumindo as figuras mais fantásticas, nessas curvas ondulantes e graciosas com que se deleitam os olhos.
Em alguns trechos, é possível ouvir alguns tucanos vindos do meio da mata.
Ao nosso redor, sobre as colinas, aparecem longas linhas de arbustos. São as primeiras plantações de café importantes que temos encontrado. Alguns passos ainda e descemos na quarta muda: Julioca.
Quarta Estação de Muda: Julioca
Efetuamos a troca de mulas rapidamente e em 5 minutos estamos de volta à estrada.
Agora percorremos um vale ondulado onde o sábio naturalista Agassiz achou os vestígios de uma antiga geleira.
A velocidade diminui devido à ondulação do trecho.
Quinta Estação de Muda: Luiz Gomes
Temos apenas alguns minutos para admirar esta estação, toda construída com madeira no sistema americano.
Após a troca das mulas, voltamos à estrada, onde vemos plantações de café a cana-de-açucar.
Correndo ao longo de um vale plano, avistamos o Paraíba, sem termos medo de seu posto fiscal, que agora está fechado. Há muitos anos atrás, muitos contrabandistas de dimantes e ouro foram capturados neste posto e enviados para a prisão perpétua ou o exílio em Angola.
Agora podemos ver o Rio Paraíba, que pequeno em São Paulo agora corre majestoso como um rei do vale. Sobre o rio, destaca-se uma bela ponte pintadas em vermelho. Ela foi fabricada em Birmingham, Inglaterra e suas 320 toneladas de ferro e grades foram montadas no Brasil pelo engenheiro O’Kell.
Mais adiante, aparecem pés de laranja, acácias e mimosas.
Sexta Estação de Muda: Entre Rios
Às 11h30min da manhã, depois de quatro horas de viagem efetiva, chegamos a Entre Rios, que é a Estação de Muda mais maltratada da estrada.
Aqui, os banheiros são mal cheirosos e o almoço é ruim.
Depois de uma descida praticamente constante desde Petrópolis, agora estamos numa altitude de uns 200 metros acima do nível do mar e a atmosfera é desagradável, quente e úmida.
Nas imediações, o vale, coberto, outrora, de luxuriantes florestas, foi limpado para a plantação de café e deverá ser lavrado para o plantio de algodão. As chuvas torrenciais, seguindo-se às queimadas de todos os anos, arrastaram o humo carbonífero dos morros para as depressões estreitas, e pantanosas, que são frias demais para o cultivo; cada córrego é um escoadouro de adubo líquido que se dirige para o Atlântico, e o solo superficial é de pura argila. Também aqui as terras sofrem dois flagelos especiais: os grandes proprietários e o sistema de agricultura herdado dos aborígines, ou vindo da África Central e perpetuado pelos desleixados métodos de cultura, necessários em toda a parte onde é empregada a mão-de -obra servil.
Depois do almoço, andamos mais 16km até a estação de Serraria.
Sétima Estação de Muda: Serraria
Serraria, construída em forma de Chalé, é um ponto importante para a Companhia, pois é a saída dos municípios cafeeiros de Ubá e Mar de Espanha.
Daqui, pela primeira vez, podemos ver a Província de Minas Gerais, no lado oposto ao Rio Paraibuna.
Novamente, trocamos as mulas rapidamente e voltamos para a estrada.
O trecho é em subida, e a estrada, como era de se esperar, acompanha a margem do Rio Paraibuna, largo e raso, muito semelhante ao Piabanha, quando o vimos pela última vez.
Após meia hora de viagem, notamos que uma das mulas que trocamos em Serraria está com algum problema e não acompanha o mesmo ritmo das demais. Às vezes, enquanto todas marcham normalmente, esta dá coices para todos os lados.
Depois de 40 minutos de viagem, surge à nossa frente uma colossal pirâmide: a pedra do Paraibuna. Trata-se de um imenso montão de granito, cuja parede vertical eleva-se de um só lance a mais de 400 metros de altura.
Mais alguns minutos e chegamos à oitava muda: Paraibuna.
Oitava Estação de Muda: Paraibuna
No grande pouso do Paraibuna , fica a Ponte do Registro, onde são cobrados os tributos devidos, que pesam sobre as mercadorias importadas pala Província de Minas.
A ponte tem sido sempre um espetáculo pouco agradável aos olhos. Em 1842, quando Minas e seu pai, São Paulo, se levantaram ou se insurgiram, o oficial encarregado de defendê-la incendiou-a, para impedir o avanço das tropas legalistas, e em 1843, Castelnau ainda a encontrou sem ter sido reparada. Atualmente, compõe-se de tábuas novas, sustentadas por velhos pilares de pedra e já sem cobertura.
Um pouco além dela, uma cabana esfrangalhada mostra o cenário de outra ação revolucionária; esta Rocinha da Negra pertencente ao Conselheiro Pedro de Alcântara de Cerqueira Leite. À esquerda, fica a barra, ou foz, do Rio Preto, a fronteira meridional de Minas. Atravessando esse afluente ocidental, estende-se a estrada velha do Rio de Janeiro, via Rodeio, Vassouras e Valência, para o sul de Minas.
Mais além, à direita, fica Rancharia, pequeno vilarejo com menos de dez anos de idade.
Ao redor vêem-se chácaras utilizadas pelos fazendeiros ricos nos domingos e dias-santos e que, durante o resto do ano, ficam fechadas. Há meia dúzia de vendas, que não vendem nada e o cemitério se destaca numa elevação bem visível.
Perto de Rancharia, o terreno se modifica. Desaparece a fartura de águas das montanhas marítimas, os regatos minguam, as subidas são mais longas e menos íngremes, o rico solo de argila vermelha da Província do Rio de Janeiro mais ao sul, agora se alterna com a marga mais clara, muito mais seca, poeirenta e, como no resto de Minas, em geral, muito mais porosa e friável. As matas negras, de frondosas árvores, cederam lugar às gramíneas verde-amareladas e, perto do rio, há bambuzais, muito menos belos que os de antes. Alguns viajantes encontraram granadas embutidas no gneiss; a pedra é tão comum como sem valor.
Atravessamos a Serra das Abóboras, e nossa atenção se concentra na Pedra da Fortaleza.
Se fosse na Europa, esta pedra seria uma atração turística. Mas aqui no Brasil, é apenas um morro a mais.
Trata-se de um bloco de gnaisse cor de chocolate, que se levanta a cerca de 170 metros a partir da margem do rio, onde este faz uma curva; corremos sob uma parede vertical, de uns 100 metros de altura, que recebe os raios de sol e os irradia como uma fornalha. Seus contrafortes castanhos, eriçados, onde são desgastados pelo tempo, de grandes bromélias, que se parecem com turfos de capim, e lembram uma igreja.
Quando rodeávamos a base do rochedo, com o rio inavegável à nossa direita, avistamos uma capivara, tomando sol e contemplando calmamente o rio sujo.
Gaviões e urubus voavam alto, o martim-pescador esvoaçava sobre a água, patos e mergulhões brincavam nas margens do rio, pombos selvagens passavam voando nas alturas, rolinhas saltitavam junto à estrada e anus, pretos e brancos, balançavam-se nos galhos, em silêncio.
Nona Estação de Muda: Simão Pereira
Cansados, passamos por Simão Pereira sem muito a descrever.
Décima Estação de Muda: Mathias Barbosa
É uma antiga barreira, onde pagavam-se direitos sobre o ouro e os diamantes vindos de Minas Gerais.
A capela de Matias Barbosa, uma igrejinha situada em um outeiro à direita, anuncia o Pouso de Matias, antigo Registro Velho. Nos tempos coloniais, ali ficava a principal contagem, onde eram pagos as impostos e, ainda em 1801, ali se cobrava o quinto de ouro para a Coroa. O contrabando era, então, para o mineiro o que era o furto para a engenhosa mocidade de Esparta.
O superintendente e seus guardas, com espiões em toda a região, vigiavam atentamente todos aqueles que não tinham diante dos olhos a ameaça da cadeia ou das costas da África.
O contrabandista armazenava seus valores no cabo do chicote, ou na coronha da garrucha, ou,ainda, no forro da sela. Os estrangeiros apavoravam-se com a revista.
Prosseguindo viagem, encontramos subidas íngremes e um morro empinado, coberto de brincos-de-princesa ostentando lindos lírios, plantas parasitas e uma profusão de maracujás ou flores-da-paixão, nativas, um dos presentes do Novo ao Velho Mundo.
Muito abaixo de nós, o Paraibuna disputava, burburinhando, um lugar ao sol em seu leito.
Casas e plantações tornaram-se mais freqüentes e a praga das grandes propriedades já não pesa sobre a terra.
Décima Primeira Estação de Muda: Ponte Americana
Mudamos de animal, pela última vez, na Ponte do Americano.
É uma ponte com sólidas traves de madeira que dá nome à estação.
Partimos a galope pelo vale do rio acima, que se alarga de vez em quando, oferecendo espaço para fazendas.
Uma capela mortuária e um cemitério de muro recém-construído, à esquerda, constituíram, dessa vez, um espetáculo agradável, e, antes do sol se pôr, fizemos uma volta a avistamos Juiz de Fora.
Estação Final: Juiz de Fora
Finalmente a diligência pára em Juiz de Fora, no meio de um grupo de gente e de carros: são os empregados dos hotéis (dez ou doze) que vêm recrutar os viajantes.
A estação fica na extremidade norte da cidade, distante cerca de dois quilômetros da extremidade sul.
Chegamos todos exaustos por doze horas de caleidoscópica viagem, para ver um caminho cuidadosamente cascalhado, com os dormentes e trilhos para uma estrada de ferro, em frente de uma cerca viva cuidadosamente podada, que protegia não um bem tratado parque, mas um brejo não drenado.
Por trás deste brejo, em uma pequena elevação, com um belo terreiro embaixo, estava uma vila, com uma torre quadrada, que dava a impressão de ter sido trazida, já armada, direto da Inglaterra.
Finalmente descemos da carruagem, com os joelhos dormentes, e somos conduzidos por Mr. Morritt ao chalé construído, em curiosas proporções, de tijolo e madeira, materiais intratáveis.
Somos hospedados numa casa vazia e, revigorados por um banho e uma sopa, saímos para um passeio, acompanhados pelo perfume das flores do lugar.
Embora não haja iluminação, a lua cheia torna a noite clara como o dia.
Encontramos uma pequena estrada onde curiosamente todos as casas se encontram no mesmo lado. No lado oposto há uma capela. Mais adiante um hotel. E mais adiante ainda a fantática casa do Comendador Mariano Procópio Ferreira Lage.
Esta casa aparece como um castelo no pico de uma montanha, cercada de árvores por todos os lados.
Quando voltamos, há um grupo cantando músicas ao lado da casa em que nos hospedamos. É uma serenata!
Agradecemos a gentileza e entramos rapidamente.
Em breve, um sono profundo, na leveza, frescura e pureza do ar, constituiu o final mais satisfatório do fim de um dia de viagem.